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Mente, Boca, Estômago

24 de março de 2011

“O peixe morre pela boca”, um dito popular, um dito vulgar. Digo vulgar não pejorativamente, senão enquanto algo já banal muito comum; sendo repetido muitas vezes, entretanto com seu significado já disperso e pouco levado em consideração. A palavra popular indica o que acabo de falar, mas ela também está à mercê do mesmo movimento de vulgarização. Inclusive vulgar significa, entre suas inúmeras possibilidades de uso, algo pertencente ao povo.

Ao longo da minha vida já tive a impressão de peixe desavisado que mordeu o anzol. Na realidade já fui avisado tantas vezes, por vários meios e certas pessoas. Ora esse aviso era explícito, ora não. Sou uma pessoa que gosta de falar, na verdade em certos momentos parece ser necessidade. Tem gente que diz: “Você é quietinho né?”. Ao me conhecer pela primeira vez, essa pessoa fala isso. Pois basta surgir um assunto interessante, tido como interessante por mim, eu desando a falar. Desandar é a palavra apropriada para tal comportamento meu. Desandar me lembra descarrilar; essa é minha percepção após alguns episódios de falação. Fico pensando após: “Putz! Falei demais… Por quê?”. Aí sou tomado pelo desânimo e constrangimento.

Já há algum tempo, tenho essa mesma impressão acerca de outro comportamento meu: o de comer. Na minha adolescência eu gostava de comer porcariada: hambúrguer, pizza e etc. Hoje ainda gosto, e muito. A diferença é o lugar tomado por esse “gosto” na minha vida há alguns anos, mais ou menos quando entrei na faculdade. De algum tempo para cá tenho apresentado interesse potente por comer; fazendo-me engordar e emagrecer, por várias vezes. Eu sinto em muitos momentos um desejo potente de devorar a comida. Sinto-me ansioso, até angustiado. É difícil me controlar, mas, mesmo assim consigo disciplinar-me vez ou outra. E aí vem um deslize e volto a encarnar a traça. Ou como diria algumas pessoas, mais velhas do que eu: “Vira um caruncho”.

Percebi a ligação entre minha mente e meu estômago, feito pela minha boca. Pensando sobre a minha “necessidade” de falar e “devorar” me dei conta sobre a ligação entre o desejo e a falta; termo disseminado por adeptos da doutrina da psicanálise lacaniana. Seria melhor dizer: “Parece que entendi”. Porque afirmar que dei conta de entender algum conceito é presunção minha, soa arrogante e afetado demais. Pois, ao tratar-se de psicanálise é perigoso sair por aí falando sobre entendimentos.

Bom, o quero dizer é que é preciso saber (con)viver com certa “fome”. Comparando a vontade de comer e a vontade de falar, percebi o movimento permeado pela imaginação de buscar algo esgotável: esgotar as dúvidas, as minhas e as dos outros pela fala maciça; afogar a ansiedade com um mar de comida, enquanto a ansiedade é uma condição humana visitante em inúmeros momentos e que sempre retorna mais cedo ou mais tarde. Não há palavra, frases e discursos divididos com o outro que dêem conta de eliminar o campo gravitacional da solidão e abismo. Quando falo de solidão me remeto a certas questões habitantes e instransponíveis do nosso psiquismo e da vida. Há sempre o inefável e o impossível de ser dividido com o outro; o máximo a ser conquistado é o incômodo do outro pela repetição e, ao menos na minha experiência, muito do falado resvala em demônios dormentes do ouvinte, e nem todo mundo está afim, tem condição ou dever de enfrentar tais questões emergentes.

Teria muito a dizer… Escrever. Porém, eu estaria escrevendo demais. Vou deixar a desejar.